Minha ancestralidade

    Cresci ouvindo que minha tataravó era bugra e que tinha sido pega no laço. Não entendia muito bem o que isso significava, achava que "bugre" fosse um povo específico, que nem ciganos, indígenas, quilombolas, etc. Só muito tempo depois fui descobrir que na verdade se trata de um termo pejorativo utilizado pelos portugueses para designar os indígenas como "hereges", "incultos", "selvagens", "pagãos". Era empregado principalmente para as tribos que lutavam e resistiam mais contra as invasões e ataques dos portugueses. Não atoa, as mulheres consideradas "bugras" só se casavam com os brancos forçadas, pegas no laço literalmente. Queria muito saber sua etnia, mas infelizmente todo seu passado foi apagado. Nem seu nome eu sei, pois foi substituído por um nome ocidental: Eleonora. Foi obrigada a casar com meu tataravô, um homem branco , português ou descendente de. Tiveram apenas uma filha e morreram muito jovens, de alguma doença que não me lembro agora (vou perguntar minha vó, depois edito rs). 
    Minha bisavó (que tem 98 anos) foi criada por sua avó materna. Ela se casou com um primo, que era negro de pele clara e cabelo bem crespo e claro, considerado "negro aço" (provavelmente filho de negra com branco). Eles tiveram 4 filhos, dentre eles minha avó materna. 
     Minha vó tem a pele mais escura que de sua mãe e de seu pai e traços negroides  (provavelmente puxados do pai e da avó paterna), porém muito misturados com indígenas (que puxou da mãe e da avó materna). Ela se casou com meu avô, que é negro de pele clara, o que é considerado "pardo". 
   Minha mãe é negra de pele clara, mas mais puxado para o avermelhado do indígena do que para o amarelado do "pardo", e com traços finos. A famosa "morena jambo". Eu tenho um tio negro mais escuro que minha vó e outro mais claro, da cor do meu avô. 
   Já meu pai e toda a família dele (tirando os casos de miscigenação... tenho primos negros mas todos meus tios e tias de sangue por parte de pai) são brancos, e por causa desse embranquecimento geração pós geração (note, sempre pelo lado masculino! [exceto no caso do meu bisavô]) eu e meu irmão e somos brancos.
    Eu, meu irmão e meus primos do lado materno (a mãe deles é branca) somos os exemplos do colorismo que "deu certo". Aconteceu o que os defensores da tese do embranquecimento previam e esperavam: embranquecemos. 



     Mas será que seria justo eu reivindicar essa negritude ou me declarar indígena por causa dos meus antepassados? Obviamente não. Não importa quanta identificação eu tenha, não importa que eu seja umbandista filha de Oyá (única "macumbeira" da família, inclusive), eu sei que sou lida na sociedade como branca, que eu nunca vou sofrer racismo na vida. Quando eu era pequena e minha mãe saía comigo perguntavam se ela era minha babá... Mas não é porque minha mãe sofreu ou sofre racismo que eu posso tomar o lugar de fala dos negros. Pelo contrário, minha obrigação como branca, fruto do colorismo, é reconhecer meus privilégios nessa sociedade racista e lutar contra ele, assim como contra todas as formas de opressão (machismo, lgbtfobia, gordofobia, de classe, etc), porém sabendo o meu lugar de fala e, principalmente, o meu lugar de escuta. Como? Para começar reconhecendo meus privilégios, não invisibilizando a causa, não roubando o lugar de fala dos negros, não reproduzindo o racismo e não sendo conivente, principalmente em ambientes onde só tem pessoas brancas (porque os negros não tem acesso). Veja o vídeo abaixo do canal Papo de Preta e saiba mais: 




Outras referências:

Vídeo: Um papo sobre Colorismo

Texto: “Minha vó era bugra!”



PS: fui pesquisar a origem do nome Eleonora e por ironia do destino (?!) descobri que tem o mesmo significado que o meu!

Eleonora é um nome de origem provençal, região sul da França. Surge, portanto, do francês antigo Aliénor, uma variante de Helena. A origem do nome Helena é grega. Este surge do grego Heléne, de heláne, que significa “tocha”, e também do termo hélê, que significa “raio de Sol”.

Ellen é uma variação do nome Helena, utilizado desta forma na Inglaterra durante a Idade Média, após o Renascimento ficou mais conhecido como a variante Helen. Este nome se originou a partir do grego Heléne, derivado da palavra heláne, que significa “tocha”, "luz", "luminosa".

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