O sistema político em Cuba: uma democracia autêntica


Texto esclarecedor sobre a democracia cubana. Até pouco tempo eu era uma a pensar que Cuba vivia numa ditadura. Toda informação vinda da mídia manipuladora nos faz acreditar nisso, mas é uma grande mentira. Cuba tem um sistema político diferente, mas nem por isso deixa de ser democrático. Pelo contrário, ele bate de 10 a 0 no que nós chamamos de democracia aqui no Brasil... Só para começar, os deputados e delegados cubanos não recebem nenhum tipo de remuneração pelo exercício do mandato popular. E esse é apenas um dos pontos que mostra o quanto em Cuba é muito mais justo que aqui, ou em qualquer outro país. Vale a pena ler esse texto de Anita Prestes (sim, filha de Carlos Prestes e Olga Benário). 

“O governo do povo, pelo povo e para o povo” (Abraham Lincoln)

Ao estudar o sistema político vigente em Cuba, é necessário lembrar que seus antecedentes remontam a 1869, quando o povo da pequena ilha caribenha lutava de armas na mão pela independência do jugo colonial espanhol. Seus representantes se reuniram na parte do território já liberado e constituíram a Assembleia Legislativa, que aprovou a primeira Constituição da República de Cuba em armas.

Por Anita Leocadia Prestes, no ILCP

Era assim estabelecida a igualdade de todos os cidadãos perante a lei e abolida a escravidão até então existente. Essa primeira Assembleia Constituinte elegeu o Parlamento cubano daquela época e também, de forma democrática, seu presidente, assim como o presidente da República de Cuba em armas, designando ainda o chefe do Exército que levaria adiante a luta pela independência.

Cuba socialista reconheceu a importância de tal herança e, inspirada também nos ensinamentos do grande pensador e líder revolucionário José Marti, chegou a criar um sistema político que constitui um Sistema de Poder Popular único, autóctone, que não é cópia de nenhum outro. Em Cuba não existem os chamados três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), característicos do sistema político burguês. Há um só poder – o poder popular. Como o povo exerce o poder? Segundo a Constituição, o povo o exerce quando aprova a Constituição e elege seus representantes e, em outros momentos, mediante as Assembleias do Poder Popular e outros órgãos que são eleitos por estas Assembleias, como é o caso do Conselho de Estado, órgão da Assembleia Nacional. Portanto, o poder popular é único e exercido através das Assembleias do Poder Popular.

Outro elemento importante do sistema político cubano é a existência, de acordo com a Constituição, de um único partido – o Partido Comunista. Não se trata de um partido eleitoral, e por isso não participa do processo eleitoral, designando ou propondo candidatos ou realizando campanha a favor de determinados candidatos. Seguindo o caminho apontado por José Marti, fundador do Partido Revolucionário Cubano – partido único como única via para conquistar a unidade de todo o povo na luta pela independência e a soberania do país, e também na luta por justiça social –, o Partido Comunista de Cuba se diferencia do conceito clássico de partidos políticos; além de não ser um partido eleitoral, é o partido dirigente da sociedade, cujas funções e cujo papel são reconhecidos pela imensa maioria do povo. A definição do seu papel está inscrita na Constituição, aprovada em referendo público, mediante voto livre, direto e secreto de 97,7% da população.

É importante ressaltar que o PC é constituído pelos cidadãos mais avançados do país, o que se garante mediante um processo de consulta das massas. São os trabalhadores que não pertencem ao PC que propõem, em assembleias, as pessoas que devem ser aceitas em suas fileiras. Depois que o Partido toma decisão sobre as propostas dos trabalhadores, se reúne novamente com eles para informá-los. Quando toma decisões em seus congressos, o PC as discutiu antes com a população. O Partido não dá ordens à Assembleia Nacional do Poder Popular nem ao governo. O PC, após consultar o povo, sugere e propõe aos órgãos do Poder Popular e ao governo as questões que somente a essas instituições cabe o papel de decisão.

O Parlamento cubano se apoia em cinco pilares de uma democracia genuína e verdadeira, a saber:
  • O povo propõe e nomeia livre e democraticamente os seus candidatos.
  • Os candidatos são eleitos mediante voto direto, secreto e majoritário dos eleitores.
  • O mandato dos eleitos pode ser revogado pelo povo a qualquer momento.
  • O povo controla sistematicamente os eleitos.
  • O povo participa com eles da tomada das decisões mais importantes.

O sistema do Poder Popular em Cuba é constituído pela Assembleia Nacional, as Assembleias Provinciais, as Assembleias Municipais, o Conselho Popular e a Circunscrição Eleitoral, que é o degrau básico de todo o sistema. Nenhum desses órgãos está subordinado a outro, mas todos funcionam de forma que suas funções e atividades sejam complementares, tendo em vista alcançar o objetivo de que o povo possa exercer o governo de maneira prática e efetiva.

O sistema do Poder Popular se apresenta atualmente em Cuba da seguinte maneira: no nível nacional, a Assembleia Nacional do Poder Popular; em cada uma das 14 províncias, as Assembleias Provinciais do Poder Popular e, nos 169 municípios, as Assembleias Municipais; no nível de comunidade, os Conselhos Populares (1540); cada Conselho agrupa várias circunscrições eleitorais e é integrado pelos seus delegados, dirigentes de organizações de massas e representantes de entidades administrativas. No nível de base, ainda que sem formar parte de maneira orgânica da estrutura do sistema do Poder Popular, nem do Estado, tem-se a circunscrição eleitoral. A circunscrição eleitoral e o seu delegado são a peça-chave, a peça fundamental do sistema. A circunscrição se organiza para efeito das eleições, mas o delegado continua funcionando na área por ela abarcada e, por isso, a mesma continua sendo sempre denominada de circunscrição.

Participam das eleições todos os cidadãos cubanos a partir dos 16 anos de idade, que estejam em pleno gozo dos seus direitos políticos e não se incluam nas exceções previstas na Constituição e nas leis do país. Os membros das Forças Armadas têm direito a voto, a eleger e a ser eleitos. A Constituição estabelece que cada eleitor tem direito a um só voto. O voto é livre, igual e secreto. É um direito constitucional e um dever cívico, que se exerce de maneira voluntária, e quem não o fizer não pode ser punido.

Diferentemente dos sistemas eleitorais das democracias representativas burguesas, em que os candidatos aos cargos eletivos são escolhidos e apresentados pelos partidos políticos, em Cuba o direito de escolher e apresentar os candidatos a delegados às Assembleias Municipais do Poder Popular é exclusivamente dos eleitores. Esse direito é exercido nas assembleias gerais dos eleitores das áreas de uma circunscrição eleitoral da qual eles sejam eleitores. A circunscrição eleitoral é uma divisão territorial do município e constitui a célula fundamental do Sistema do Poder Popular. O número de circunscrições eleitorais em cada município é determinado a partir do número de seus habitantes, de maneira que o número de delegados das circunscrições à Assembleia Municipal nunca seja inferior a trinta.

O registro eleitoral em Cuba é automático, público e gratuito; todo cidadão, ao atingir os 16 anos de idade e estando em pleno gozo dos seus direitos políticos, é registrado como eleitor. Segundo a lei, no país são realizados dois tipos de eleições: 1) eleições gerais, em que são eleitos, a cada cinco anos, os deputados à Assembleia Nacional e demais instâncias de âmbito nacional, incluindo o Conselho de Estado, assim como os delegados às Assembleias Provinciais e Municipais e seus presidentes e vice-presidentes; 2) eleições parciais, a cada dois anos e meio, em que são eleitos os delegados às Assembleias Municipais e seus presidentes e vice-presidentes. Deve-se assinalar que tanto os deputados à Assembleia Nacional quanto os delegados às Assembleias Provinciais e Municipais são eleitos diretamente pela população.

As eleições são convocadas pelo Conselho de Estado, órgão da Assembleia Nacional que a representa entre os períodos de suas sessões, executa suas decisões e cumpre as funções que a Constituição lhe atribui. Para organizar e dirigir os processos eleitorais, são designadas Comissões Eleitorais Nacional, Provinciais, Municipais, de Distritos, de Circunscrição e, em casos necessários, Especiais. A Comissão Eleitoral Nacional é designada pelo Conselho de Estado, as Comissões Provinciais e Especiais são designadas pela Comissão Eleitoral Nacional, as Comissões Eleitorais Municipais pelas Comissões Eleitorais Provinciais e assim por diante. Todos os gastos com as eleições são assumidos pelo Orçamento do Estado; portanto os candidatos nada gastam durante todo o processo eleitoral.

Para elaborar e apresentar os projetos de candidaturas de delegados às Assembleias Provinciais e de deputados à Assembleia Nacional e para preencher os cargos que são eleitos por elas e as Assembleias Municipais, são criadas as Comissões de Candidaturas Nacional, Provinciais e Municipais integradas por representantes das organizações de massas e de estudantes e presididas por um representante da Central de Trabalhadores de Cuba, assegurando desta maneira a direção dos trabalhadores em todo o processo eleitoral.A propaganda eleitoral é feita exclusivamente pelas Comissões Eleitorais, garantidas a todos os candidatos condições de igualdade; nenhum candidato pode fazer campanha para si próprio.

Para ser proposto como candidato a deputado à Assembleia Nacional, é necessário ter sido apresentado como pré-candidato por uma das organizações de massas do país, que a Comissão Nacional de Candidaturas submeta essa proposta à consideração da Assembleia do Poder Popular do município correspondente, e que esta, pelo voto de mais da metade dos delegados presentes, aprove a sua designação como candidato por esse território. Será considerado eleito deputado à Assembleia Nacional o candidato que, tendo sido apresentado pela respectiva Assembleia Municipal, tenha obtido mais da metade dos votos válidos emitidos no município ou Distrito Eleitoral, segundo o caso de que se trate. As eleições para os demais níveis do Poder Popular seguirão a mesma sistemática.

Em Cuba, os deputados à Assembleia Nacional e os delegados às demais Assembleias não recebem nenhum tipo de remuneração pelo exercício do mandato popular; continuam exercendo suas profissões em seus locais de trabalho e recebendo o salário correspondente. A Assembleia Nacional se reúne duas vezes ao ano, as Provinciais e Municipais com maior frequência. Os deputados e delegados exercem seus mandatos junto aos seus eleitores, prestando-lhes contas periodicamente e podendo, de acordo com a lei, serem por eles removidos a qualquer momento, desde que, em sua maioria, considerem que seus representantes não estão correspondendo aos compromissos assumidos perante o povo.

Sem espaço para um exame mais detalhado do Sistema Político de Cuba, é esclarecedor, entretanto, abordar o processo de eleição do presidente do país, que é o presidente do Conselho de Estado e do Conselho de Ministros. Para ser eleito presidente, é necessário ser deputado e, por isso, deve ter sido eleito por voto direto e secreto da população, da mesma forma que todos os 609 deputados da Assembleia Nacional. No caso específico, por exemplo, do presidente Fidel Castro, ele foi designado candidato pela Assembleia Municipal de Santiago de Cuba e eleito pelos eleitores de uma circunscrição do município e, além disso, eleito pela maioria, pois a lei eleitoral estabelece que nenhum deputado pode ser eleito sem obter mais de 50% dos votos válidos. Posteriormente, sua candidatura a presidente do Conselho de Estado foi votada pelos deputados, devendo alcançar mais de 50% dos votos para ser considerado eleito.

A abordagem realizada do Sistema Político de Cuba, ainda que sucinta, evidencia seu caráter popular e democrático, que é, entretanto, permanentemente distorcido e falsificado pela mídia a serviço dos interesses do grande capital internacionalizado.

* Anita Leocadia Prestes é professora do Programa de Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes

Comentários

  1. Duas coisas a dizer:

    1. Fidel é um dos dirigentes políticos que acumulou maior fortuna ao longo do mandato.

    2. As eleições cubanas à presidência são indiretas (quem vota são os delegados e deputados das assembléias, com o respaldo do Conselho de Estado), o que, na minha concepção, não é exatamente democrático. Também não acredito ser democrático Fidel ter alterado a constituição de 1940 (a qual prometera retomar com seus iniciais ideais nacionalistas e anti-imperialistas, visando ao bem da nação) em 1976, e a partir de então ter se reelegido consecutivamente por mais de 3 décadas. Não considero democrático o artigo 62 da constituição, que prevê cadeia (sem julgamentos justos e acesso a advogados, muitas vezes sem a pessoa ser informada do crime que cometeu, inclusive) a pessoas que PODEM VIR A COMETER CRIMES (supõe-se que o crime será cometido). Não considero democrático um regime que se utiliza da repressão para conformas a agenda política, que consideram o desemprego (mesmo de pessoas incapacitadas por questões de saúde) conduta antisocial que deve levar à cadeia (por até cinco anos, se bem me recordo). Não há dissidência forte em Cuba porque ela é duramente reprimida, seus familiares e amigos são ameaçados, ela é isolada da sociedade, vive com a sensação de estar sendo observada e poder ser presa a qualquer momento. Uma hora de internet custa um terço do salário de um cidadão comum; os blogueiros que assumem alguma posição crítica acabam sendo lidos apenas por outros blogueiros, dado que a sociedade não pode participar do debate - e isso na clandestidade, obviamente. Fidel matou milhares de oposicionistas a partir de 1959, aprisionou homossexuais e condenou-os a campos de trabalho forçado. Houve (e ainda há) racionamento de comida. Quero dizer: fome. Voltando ao que queria dizer no início desse tópico 2 (acabei me estendendo e perdendo o nexo, peço desculpas): as eleições são mascaradas, cosméticas (como alguém que não me recordo colocou), manipuladas. Ilegítimas. Não venha me falar você em uma Cuba democrática antes de ler a respeito do tema. Antes de ler entrevistas de pessoas que vivem lá, de quem foi preso arbitrariamente, de organizações que coletaram dados às escondidas pela ausência de resposta do governo. E antes de voltar a vislumbrar essa linda utopia de uma Cuba democrática, tente limitar tão belas abstrações ao pragmatismo e à realidade material. É bem mais dura, triste, cruel. Devemos condenar, não incentivar. Porque não se faz democracia calando a boca dos que a pedem.

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    1. Caro companheiro, não pude deixar de notar suas infundadas críticas a um sistema político e eleitoral do qual desconhece. Você expressa sua ignorância, primeiramente, ao desaprovar o sistema de voto indireto cubano, alegando ser este antidemocrático. Julgo eu, você saber que o sistema de eleição presidencial estadunidense também é indireto. Quanto ao artigo 62 da constituição cubana, digo que ele impossibilita a impunidade existente aqui no Brasil, por exemplo. Onde criminosos de colarinho branco caminham livremente pelas ruas e até um tempo atrás, podiam se eleger a cargos públicos. Porém, nao esqueça que a taxa de criminalidade na ilha caribenha, é mínima, pois a população não tem acesso à armas, mas sim à uma educação forte e estruturada. A economia cubana sofre uma forte crise, entretanto sua respectiva sociedade não sofre de fome, como alegou você. Lembre-se que a atual recessão econômica deve-se ao embargo imperialista norte-americano e não ao modelo marxista adotado pelos cubanos. Em relação à fortuna de Fidel, desconheço completamente, pois nunca me informo em jornais parciais de interesses capitalistas e burguêses. As eleições cubanas sao fiscalizadas por estudantes e crianças... não, elas não são cosméticas e ilegítimas. O relato feito pela professora de história da UFRJ não é uma simples utopia, mas sim uma pesquisa baseada em fatos. Uma sociedade não-alienada merece nada menos que a verdade sobre seu próprio estilo de vida. Orgulho-me de Cuba, por ser um país latino-americano que conquistou a soberânia por esforço próprio, mas que, infelizmente, caminha rumo ao capitalismo novamente. Não seja parcial, escreva apenas a verdade. Hasta la victoria siempre!

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